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ARTIGO / POLÍTICA / SALGUEIRO
MAIA - DAS GUERRAS EM ÁFRICA À REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
Salgueiro
Maia - Das guerras em África à Revolução dos Cravos
No cemitério de Castelo de Vide há um túmulo simples, bem iluminado pelo sol, de costas para o verde da Serra de S. Mamede: a sepultura do “Capitão de Abril” Fernando José Salgueiro Maia.
Por Moisés Cayetano Rosado (Historiador).
18 de Maio, 2021
No cemitério de Castelo
de Vide há um túmulo simples, bem iluminado pelo sol, de costas para o verde da
Serra de S. Mamede: a sepultura do “Capitão de Abril” Fernando José Salgueiro
Maia, nascido nesta povoação do Alto Alentejo no dia 1 de Julho de 1944.
Situado em “campa rasa”, como ele tinha escrito no 28 de Junho de 1989, quando
já tinha conhecimento da sua doença irreversível, de um terrível cancro:
“Determino - escreveria pelo seu punho e
letra em papel de linhas - que desejo ser sepultado em
Castelo de Vide, em campa rasa, e utilizar o caixão mais barato do mercado; o
transporte do mesmo deve fazer-se pelo meio mais económico de preferência em
viatura militar. Durante o funeral somente a presença dos amigos a quem peço
para entoarem ‘Grândola Vila Morena’ e ‘Marcha do M.F.A.’.
Santarém, 28 de junho de 1989. O declarante Salgueiro
Maia”
O também Capitão de
Abril e seu amigo Vasco Lourenço declarou que Salgueiro Maia lhe tinha
confessado nesse mesmo ano: “Vou pedir para se cantar no meu
funeral ‘Grândola, Vila Morena’ porque haverá muitos indivíduos que
oportunistamente vão querer ficar na fotografia do meu funeral e eu vou
forçá-los a cantar ou pelo menos ouvir cantar ‘Grândola, Vila Morena’”. Quando sua mulher comunicou o
fatal desenlace, estando de visita oficial em Jerusalém, ela diria: “Eu sei, eu sei,
porque ele me disse”i.
Fernando Salgueiro
Maia entrou na Academia Militar, em Lisboa, no dia 6 de Outubro de 1964, com 20
anos de idade, quando já estava declarada a guerra nos três cenários coloniais:
Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964). Passa para a Escola Prática de
Cavalaria (EPC), em Santarém, para continuar a sua formação. Dois anos depois
parte para o norte de Moçambique. “Crê sinceramente - escreve Sousa Duarte - que as
causas pela qual se batem as tropas portuguesas ‘são justas’ e o isolamento
‘uma consequência da inveja, da Guerra Fria e... outros interesses económicos das grandes
potências’ ”ii.
Mas, quando já leva
nove meses na que era a sua primeira comissão de serviço, já está consciente da
dura realidade. “O ambiente que se vivia em Mueda (noroeste de
Moçambique) era inesquecível: a toda a hora do dia chegavam de avião feridos
graves ou mortos; as amputações de membros eram diárias, as emboscadas nos
itinerários de acesso e os ataques aos aquartelamentos da zona uma constante”, escreve nas suas memóriasiii.
Compreendendo que
está do lado errado, participa com responsabilidade do Movimento dos Capitães e
da Revolução de Abril de 1974. E reconhece o próprio Otelo que “Salgueiro Maia iria
a ser o comandante de força do Movimento mais sujeito a situações de perigo e
de tensão ao longo do dia 25 [...] e que farão concentrar sobre ele e as forças
da EPC as preocupações do posto de comando e as atenções e o carinho das massas
populares que, a partir do Terreiro do Paço, não mais deixarão de o acompanhar
e aos seus homens, guindando desde logo o jovem capitão às culminâncias de
primeira estrela do MFA vitorioso”iv.
A sua gloriosa
participação no Golpe militar será mais tarde injustamente manchada. O
tempestuoso 25 de Novembro de 1975 terá consequências negativas para Salgueiro
Maia. E, se em 11 de Março foi acusado de apoiar os spinolistas no seu
fracassado Golpe, agora as suspeitas serão de falta de celeridade na participação
contra as forças de esquerdav.
Essa situação
desconfortável vai durar no tempo, espalhando-se para a hierarquia militar e
representantes políticos. Em 1988, em entrevista concedida a Fernando Assis
Pacheco, confessava-lhe: “Deploro que tendo nós realizado
um acto ímpar - pela primeira vez na História da Humanidade uma força militar
realiza uma acção de destruição de um poder sem se apropriar desse poder
-, isto que em todos os países é relevante, passa aqui pura e simplesmente
despercebido, ou então, ao contrário, serve de base para sermos marginalizados,
quando não tratados como traidores à Pátria”. E, por isso, já não ia às
sessões oficiais das comemorações do 25 de Abril, “porque muitas vezes
o que se ouve é assim um esquema do ‘Vamos contar Mentiras’ que não me deixa
muito bem disposto”vi.
Em 1989 começa a
sentir-se mal. Não há remédio para o cancro que sofre, falecendo a 4 de abril
de 1992. O nosso ilustre capitão bem poderia ter dito o que o seu amigo e
ex-Presidente da Câmara de Castelo de Vide, Carolino Tapadejo, escreve sobre si
próprio no volume “Memórias e Vivências de Paixão”: “Tinha feito uma
reflexão sobre quem poderiam ser os seus inimigos e, no final, tinha ficado
radiante, pois entre os que conseguira identificar, não havia nenhum honesto!”vii.
(excerto do livro
do autor, “Salgueiro Maia - das Guerras de África à Revolução dos Cravos”,
recentemente editado em Portugal e em Espanha, com o título “Salgueiro Maia –
de las Guerras en África a la Revolución de los Claveles y su Evolución
Posterior”)
i Em https://expresso.pt/sociedade/2019-04-04-O-capitao-que-quase-enganou-a-tristeza(link is external).
ii SOUSA DUARTE, António de,
Salgueiro Maia. Um homem da liberdade. Âncora Editora. Lisboa, 2014, (12ª
edição), pág. 41.
iii SALGUEIRO MAIA, Fernando,
Capitão de Abril, Âncora Editora. Lisboa, 2014 (3ª ed.), pág. 16.
ivSARAIVA DE CARVALHO, Otelo,
Alvorada em Abril, Livraria Bertrand, Lisboa, 1977, pág. 424.
v CRUZEIRO, Maria Manuela,
Vasco Lourenço. Do interior da Revolução. Âncora Editora, Lisboa, 2009, pág.
545.
vi SALGUEIRO MAIA, Fernando,
obra citada, págs. 216-217.
vii TAPADEJO, Carolino, O
Menino Órfão, em MÃO DE FERRO, Fernando, Memórias e Vivências de Paixão,
Edições Colibri, Lisboa, 2020.
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